Era uma vez uma princesa. A Princesa Coração Gelado. Era assim que todos a chamavam no reino em que ela morava. Seu coração era frio, e ela nunca se deixava chorar. Se ela um dia, porventura, se pegasse chorando por algo ou alguém, flagelava-se com palavras tristes e depressivas. Seu coração já fora partido uma vez, e ela prometeu a si mesma que nunca mais ia apaixonar-se.
Um belo dia, caminhando com seu longo vestido de cetim na cor carmim e seus pequenos pés descalços sentindo a grama úmida da manhã, avistou um rapaz próximo a uma árvore. Este lhe chamou a atenção por dois motivos: seu olhar tímido e suas roupas sujas, que não lhe tiravam o porte de príncipe. Ela nunca havia visto aquele homem antes...não nesse reino.
– Quem és tu, plebeu? – perguntou ela com seu semblante sério.
– Sou Michael, e não sou plebeu, cara princesa... – olhou enigmático para ela, na esperança que ela completasse a frase.
– Venci. Eu sou a princesa Venci. Ordeno que saia imediatamente do meu salgueiro. – bateu um pequeno pé na grama e levantou a barra do vestido um pouco.
– Seu salgueiro? – Michael andou em volta do salgueiro e depois parou com um lindo sorriso para a princesa. – Cômico. Não há seu nome nele. – riu e subiu na árvore com tal habilidade que fez a princesa abrir a boca em espanto.
– Ora, seu... Desça! O salgueiro foi plantado logo que nasci, nas terras do meu reino, logo, ele é meu!
– Ora, princesa...venha, me dê sua mão! Venha comigo esta vista apreciar.
A princesa mordeu o lábio e olhou em volta. Nunca havia subido naquele salgueiro, sempre teve vergonha do que seus súditos poderiam pensar dela. Mas agora não havia ninguém ali, que mal haveria? Estendeu a mão para o nobre cavalheiro e este lhe ajudou a subir na árvore.
– Oh...que bonito... – murmurou ela olhando para além do rapaz.
– Eu não acho que eu seja tudo isso. – sorriu e abaixou a cabeça.
– Estou falando da vista, cavalheiro. Uh! – quase caiu e o rapaz a segurou pela cintura.
Os dois se entreolharam, tímidos. Ela riu e colocou a mão nos lábios, tentando conter o constrangimento que aparecia na face nesse momento. Fechou o sorriso e pigarreou.
– De que reino és? – perguntou ela já recomposta.
– Não tenho reino...não tenho casa...não tenho...nada! – ele riu e jogou-se da árvore de costas, ficando pendurado num tronco pelas pernas, com as mãos na cabeça.
– Cavalheiro! – a princesa tentou segurá-lo e ele se levantou, ficando a centímetros do rosto dela.
– Eu não caí, princesa. – ele riu e ficou de pé na árvore. – Eu gosto de árvores... Você não?
– Elas são bonitas, enfeitam o jardim. – a princesa puxou um leque e se abanou enquanto se arrumava num galho.
– Não, princesa, não! Eu estou falando de... – abriu os braços. – subir nelas e olhar para o infinito, para o horizonte! A sensação de liberdade... Entende? – sentou-se novamente, ao lado da princesa.
– Não, nobre cavalheiro. Não compreendo. – o coração de gelo da princesa deu um salto. – Preciso ir. – a princesa olhou para baixo, não havia percebido que subira tanto.
Estava com medo da altura da árvore. Escorregou por um tronco e quando estava quase tocando o chão com seus pequenos pés, o cavalheiro a pegou no colo.
– De onde surgistes? – perguntou ela espantada com a rapidez do rapaz.
– Pulei de lá de cima! – ele riu e a colocou no chão.
Olhando de perto, nos olhos do nobre cavalheiro, a princesa sentiu suas pernas tremularem e seu estômago dando voltas.
– Ora...o que há de bom na liberdade? – indagou com desdém, tentando ignorar as sensações que o cavalheiro lhe passava.
O rapaz arregalou os olhos. Aquela pergunta parecia não ter resposta pronta... “O que há de bom na liberdade?”, indagou a si mesmo. Olhou para o lado, depois para o outro...sorriu, abaixou a cabeça, mordeu o lábio. Olhou novamente para a princesa.
– Princesa Venci, está vendo aquele pássaro? – o rapaz apontou para o jardim.
A princesa procurou e viu um beija-flor, beijando uma linda orquídea, as asinhas dele batiam tão depressa que a inocente princesa foi vê-lo. Aproximou-se lentamente e, quando o passarinho menos percebeu, ela fechou as mãos em volta dele. O cavalheiro correu na direção dela, assustado.
– Não, Venci! Não faça isso! Somente dez segundos sem o bater de suas asas pode ser fatal!
Venci soltou o passarinho que saiu, meio atordoado, pra longe das vistas deles.
– Eu não...eu não sabia disso. – ela abaixou a cabeça.
– Desculpe pela advertência, princesa. – o rapaz se curvou. – A liberdade é isso. Você conseguiu sentir?
– Perdão, nobre cavalheiro. – Venci se curvou. – Preciso ir agora. Lamento não ter entendido a sua metáfora, quem sabe numa outra ocasião? – já ia saindo quando o cavalheiro a segurou pelo braço, levemente.
– Você conseguiu sentir. – ele afirmou repentinamente.
Os olhos de Venci se arregalaram, ele estava certo. Ela entendeu perfeitamente o que ele quis dizer com aquela metáfora de liberdade. Algo que não se pode prender, que tem de se deixar solto. Algo que não é ruim, é até bom...mas tem que ser usado com sabedoria. Liberdade é alegria, é simplesmente...liberdade. Dispensa explicações e palavras mais.
– Nobre cavalheiro...de nome Michael. – ela abaixou a cabeça e começou a murmurar, ainda de costas para o príncipe. – Não sei de onde viestes...e nem pra onde pretendes ir. – virou-se de frente para ele e sorriu entristecida. – Mas eu sei...nesses poucos minutos que passei contigo que...cada pessoa na nossa vida tem um propósito. E elas se vão quando esse propósito é concluído. O seu propósito hoje foi me ensinar sobre a liberdade. Eu aprendi, e agora...agora, deixe-me ir. – abaixou novamente a cabeça, as lágrimas insistiam em brotar dos olhos.
– Não a deixarei enquanto não lhe ensinar sobre algo mais profundo quanto liberdade. – ele sorriu e ela o olhou.
As lágrimas agora desciam sem parar. Venci jogou-se nos braços de Michael, há quantos anos não chorava daquela maneira? Há quantos anos esperara por um ser qualquer que lhe abraçasse enquanto sua tristeza lhe dominasse? Ele acariciava os cabelos louros de Venci com delicadeza, quando sua voz que ditava palavras de conforto se transmutou numa linda canção de fé e esperança.
Venci então compreendeu algo mais sobre a liberdade. Ela compreendeu que seu coração não deve ficar trancafiado a sete chaves numa redoma de gelo... Entendeu a importância que uma pessoa pode ter em sua vida, mesmo que por alguns minutos, ou por um ano...ou pra sempre.
(Débora Alves)
(Débora Alves)
"Ser livre é não ser escravo das culpas do passado nem das preocupações do amanhã. Ser livre é ter tempo para as coisas que se ama. É abraçar, se entregar, sonhar, recomeçar tudo de novo. É desenvolver a arte de pensar e proteger a emoção. Mas a cima de tudo. Ser livre é ter um caso de amor com a própria existência. E desvendar seus mistérios".
(Augusto Cury)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Campanha: Faça um blogueiro feliz! Comente, opine, dê força às suas palavras!