Mais um conto que não faz sentido.
Lá, naquele canto, próximo à janela, o piano. Acima dele, um cinzeiro com um cigarro queimando. E no chão, ele, com seus braços envoltos em mim. Seu doce aroma de pecado tocando profundamente meu coração. Os compridos cabelos negros, tão negros quanto aquela noite, e seus lábios junto ao meu pescoço. Caí novamente em paixão, luxúria, um amor que somente eu sentia. E como eu adorava a sensação de estar completamente apaixonada! Porém, não era recíproco, e eu sabia disso. Nunca, em toda minha vida, eu havia dito não àqueles sentimentos. Profundos como o oceano vermelho dos olhos dele.
O vento batia à janela, fazendo avoar-se as cortinas brancas como a tez de sua pele. E eu o tocava, tocava como já havia tocado antes. E ele me tocava, tocava como nunca havia tocado antes. Ele era meu vício. Quantas e quantas noites de lua cheia eu esperava por aquela sensação inebriante? A cada mês, quando a semana de lua cheia chegava, eu me sentia completa, pois ele estava ali, absorvendo-me com todo o prazer de amar.
Mas doía.
Doía amá-lo. Doía saber que ele não sentia o mesmo por mim. Doía saber que somente o desejo carnal nos unia. Corroía, perfurava. Mas eu não conseguia fugir, eu nem mesmo queria fugir. Somente queria estar ali, perfeita e profundamente tocada por aquela sensação. E quando a lua se ia, ele ia junto. E eu ficava. Sozinha em minha ilusão de contos de fadas.
Com os lençóis caídos sobre meu colo, o rosto triste, me sentia amargurada. Esperava por uma única frase: “Não irei mais embora”. Sentia-me frustrada quando ele simplesmente sorria e nenhuma palavra saía de seus lábios doces. Nem ao menos se despedia, só saía, sem nada dizer. Sem poder conter minha dor de querer que ele ficasse, finalmente pronunciei:
– Você vai voltar?
O rosto pálido e perfeito se virou para mim, os longos cabelos tocando sua face, e o lindo sorriso se abrindo novamente.
– Quer que eu volte? – perguntou.
Não sorri. Mantive imóvel minha expressão.
– Não.
O sorriso dele se fechou, sua expressão de surpresa chegou a me assustar um pouco, mas me mantive impassível.
– Tem certeza disso? Olha, posso nunca mais voltar mesmo. – murmurou e em seguida riu de leve. – Eu sei que você está apenas brincando. Você não vive sem mim.
Sua pretensão, seu orgulho, seu triunfo sobre mim deixou-me sem chão. Mas logo me recompus, soltando como uma cachoeira furiosa aquelas palavras.
– Vivo. Assim como vivi anos sem conhecê-lo, posso muito bem continuar vivendo como se você nunca houvesse passado pela minha vida.
Aquelas palavras impensadas me fizeram levar a mão à boca. Antes que eu pensasse em desculpar-me, ele abaixou a cabeça. Terminou de calçar as botas, vestiu o sobretudo negro e caminhou até a porta.
Suspirei e levantei-me, nua, despida de pudores. Havia em mim algo que não sei explicar. Confiança, talvez fosse isso. Tomei suas mãos e virei-o para mim. O fiz olhar-me.
– Dentro de mim há sentimentos. Sou mulher, mas não sou frágil. Apenas não posso mais conviver com a incerteza dos seus sentimentos por mim. Há anos, noites e mais noites. Há você, que vem e me ama, me possui, me jura amor eterno. Mas por quê? Faz algum sentido iludir-me?
De súbito, ele tomou meus lábios num beijo cálido. Com toda certeza, ele não esperava ouvir meus lamentos. Após o beijo, não me olhou. Manteve-se de olhos fechados, escondendo seu rosto sob meus cabelos. Respirava forte, com fúria. Quando senti uma lágrima rolando por meu ombro, soube que não era fúria. Apertou-me mais contra seu corpo, suspirou e me soltou. Abriu a porta e sorriu de leve, um sorriso que estava entre o entristecido e o presunçoso.
– Tranque a porta.
– Hey! Você vai voltar?
– Apenas tranque.
Após a porta estar fechada, cerrei os punhos. Caminhei lentamente para o piano e passeei os dedos pelas teclas. De joelhos caí, mas nenhuma lágrima havia em mim para que pudesse ser expulsa. Suspirei. Deitei no lugar onde havíamos feito amor pela última vez – que fora tão “agora”, mas que parecia tão distante – e, por fim, adormeci. Adormeci aos pés do piano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Campanha: Faça um blogueiro feliz! Comente, opine, dê força às suas palavras!